domingo, 4 de outubro de 2009

Sofremos de um mal incurável: a esperança


(Em março de 2002, uma delegação do Parlamento Internacional dos Escritores fez uma viagem pelos territórios palestinos. O grupo era composto por Bei Dao (China), Breyten Breytenbach (África do Sul), Christian Salmon (França), Vincenzo Consolo (Itália), Wole Soyinka (Nigéria), Juan Goytisolo (Espanha), Russel Banks (EUA) e José Saramago (Portugal). Em sua recepção aos colegas, o poeta palestino Mahmoud Darwish pronunciou o discurso abaixo)

Mahmoud Darwish

Ramallah, 25 de março de 2002

É para mim um grande prazer e uma honra recebê-los nesta terra em sua primavera sangrenta, esta terra que tem saudade de seu antigo nome: terra de amor e de paz.

A visita corajosa de vocês durante este cerco monstruoso é uma forma de vencê-lo. A presença de vocês aqui interrompe nosso sentimento de isolamento. Com essa presença, percebemos que a consciência internacional, da qual vocês são honrados representantes, está viva, é capaz de protestar e de tomar partido da justiça. Vocês nos deram a certeza de que os escritores ainda têm um papel importante na luta pela liberdade e no combate ao racismo.

A responsabilidade pelo destino humano não pode limitar sua expressão ao texto literário. Em situações de urgência e calamidade humana, o escritor parte à procura de um papel moral em outras formas de ação pública, um papel que reforça sua integridade literária, que mobiliza a consciência pública para valores morais elevados, dos quais o mais importante é a liberdade. É dessa forma que entendemos a mensagem que vocês nos enviam hoje: uma mensagem de solidariedade e simpatia.

Sei que mestres das palavras não carecem de retórica diante da eloqüência do sangue. Por isso, nossas palavras serão tão simples quanto nosso direito: nascemos nesta terra e desta terra. Não conhecemos outra mãe, não conhecemos outra língua materna senão a sua. E, quando compreendemos que ela porta em si histórias demais e profetas em demasia, compreendemos que o pluralismo é um espaço que abraça de maneira ampla, e não uma cela de prisão, que ninguém tem o monopólio de uma terra, de Deus, da memória. Sabemos, também, que a história não pode se vangloriar nem de equidade nem de elegância. Nossa tarefa, contudo, como seres humanos, é humanizar esta história da qual somos simultaneamente vitimas e produtos.

Não há nada mais evidente que a verdade palestina e a legitimidade palestina: esta terra é nossa e esta pequena parte é uma parte de nossa terra natal, uma terra natal real e não mítica. Esta ocupação é uma ocupação estrangeira que não escapa à acepção universal da palavra ocupação, sejam quais forem os títulos de direito divino que ela cita; Deus não é uma propriedade pessoal de ninguém.

Aceitamos as soluções políticas fundadas numa partilha da vida nesta terra, no contexto de dois Estados para dois povos. Não exigimos senão nosso direito a uma vida normal, dentro das fronteiras de um Estado palestino, na terra ocupada desde 1967, incluindo Jerusalém Oriental, nosso direito a uma solução justa do problema dos refugiados, ao fim da instalação de colônias. É a única via realista para a paz que encerrará o círculo vicioso deste banho de sangue.

A situação atual é de uma evidência gritante, não se trata de uma luta entre duas existências, como quer o governo israelense: eles ou nós. A questão é acabar com a ocupação. A resistência à ocupação não é somente um direito. É um dever humano e nacional que nos faz passar da escravidão à liberdade. O caminho mais curto para evitar outros desastres e chegar à paz é libertar os palestinos da ocupação e libertar a sociedade israelense da ilusão de um controle exercido sobre outro povo.

A ocupação não se limita a nos privar das condições elementares de liberdade, ela nos priva até mesmo do essencial de uma vida humana digna, declarando a guerra permanente a nossos corpos, nossos sonhos, às pessoas, às casas, às árvores, cometendo crimes de guerra. Ela não nos promete nada melhor a não ser o apartheid e a capacidade da espada de vencer a alma.

Mas nós sofremos de um mal incurável que se chama esperança. Esperança de libertação e de independência. Esperança de uma vida normal, na qual não seremos nem heróis nem vítimas. Esperança de ver nossas crianças irem à escola sem riscos. Para uma mulher grávida, esperança de dar à luz um bebê vivo, num hospital, e não uma criança morta diante de um posto de controle militar. Esperança de que nossos poetas verão a beleza da cor vermelha nas rosas e não no sangue. Esperança de que esta terra reencontrará seu nome original: terra de amor e de paz. Obrigado por carregar conosco o fardo dessa esperança.

Um comentário:

  1. site de um grupo de judeus hassidicos pró palestina: http://www.nkuk.org/
    protesto em londres organizado pelo mesmo grupo: http://www.youtube.com/watch?v=fiSP076_nVI

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